Violências no trabalho: uma chaga a enfrentar e superar.

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Empregado submetido a condições de trabalho desumanas e degradantes. Costureira que tinha produção cronometrada. Trabalhador ameaçado de demissão e agredido verbalmente. Vigilante submetido a ócio forçado em sala escura e sem ventilação. Gestante obrigada a carregar caixas pesadas. Padaria que explorava trabalho infantil. Trabalhadora brutalmente agredida por colegas. Ascensorista assediada moral e sexualmente por síndico de condomínio. Ofensas, apelidos racistas e brincadeiras abusivas. Isolamento imposto a professora. Trabalhador assassinado por empreiteiro. Racismo e injúria racial no ambiente de trabalho. Estes são só alguns das dezenas de casos de violência no trabalho, relatados aqui, no Notícias Jurídicas, nos últimos meses.

Mas, ao longo dos 14 anos de NJ teve muito mais: Vigia de supermercado agredido por patrão. Vendedor obrigado a imitar animal em reuniões. Menor que teve a mão triturada em máquina de moer carne. Trabalho escravo em fazenda do sul de Minas. Empregado ameaçado de morte. Porteiro que sofreu discriminação estética e outro por sua orientação sexual. Trabalhador decapitado por descuido do colega. Gerentes bancários vítimas de sequestros. Brigas entre empregados, com um deles esfaqueado. Síndrome do pânico como doença ocupacional.

A lista é extensa e as histórias, estarrecedoras (veja mais nas NJs Anteriores). As notícias nos dão apenas uma ideia do problema das violências no trabalho. São um espelho da realidade vivenciada por milhares de trabalhadores. Mesmo que muitos casos nem cheguem ao conhecimento do Judiciário, o volume de reclamações envolvendo o tema é enorme. Diariamente a Justiça do Trabalho recebe denúncias de agressões das mais diversas: físicas ou verbais, psicológicas ou corporais, explícitas ou sutis.

Enfrentar para superar – É levando ao conhecimento da sociedade essas situações revoltantes que conseguiremos conscientizar os cidadãos, para que despertem para a necessidade de enfrentar esse tipo de violência. É preciso uma mudança de cultura com a participação de todos os atores sociais, para se alcançar uma realidade diferente, em que o meio ambiente de trabalho seja equilibrado, seguro, saudável e respeitoso. Afinal, trabalho não deve ser motivo de adoecimento, mas de qualidade de vida. A violência no trabalho gera prejuízos para toda a sociedade, afetando a produtividade tão buscada pelas empresas e refletindo em todos os envolvidos, inclusive nas famílias.

Uma das formas mais frequentes de violência no trabalho, o assédio moral se caracteriza, de acordo com a médica e pesquisadora Margarida Barreto, por práticas cruéis e repetitivas de desqualificação, humilhações e ameaças constantes ao trabalhador, ao longo da jornada de trabalho. Ela destaca que a dor causada pelo assédio é enorme, podendo, em situações mais graves, chegar ao suicídio.

Assassinato coletivo – “Investigação aos Suicídios” é uma reportagem realizada em 2010, que aborda os motivos que levaram dezenas de trabalhadores da France Telecom a cometerem suicídio. A investigação revela que a empresa elaborou um plano para despedir mais de 20 mil trabalhadores num período de apenas três anos. Executivos foram designados para assumir a função de “ceifadores”. O objetivo era tornar a vida dos trabalhadores insuportável, levando-os a sair da empresa. Por não aguentarem a pressão, muitos acabaram com as suas próprias vidas. Veja a reportagem na íntegra.

A Organização Internacional do Trabalho estima que cerca de 5% a 8% da população mundial seja vítima de assédio moral no trabalho. Mas existem muitas outras formas de sofrimento no trabalho, que se somam ao assédio moral, como o assédio sexual e a violência física ou psicológica.

Campanha nacional – “Violência no trabalho: enfrentamento e superação” é o tema proposto pelo Programa Trabalho Seguro do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no biênio 2018-2020. Segundo o presidente do TST e CSJT, ministro Brito Pereira, o objetivo é conscientizar a sociedade da importância de combater práticas no ambiente de trabalho que possam resultar em problemas físicos e psicológicos, estimulando-se um bom ambiente de trabalho.

Para o gestor nacional do Programa Trabalho Seguro, juiz Leonardo Vieira Wandelli, do TRT da 9ª Região, a violência no trabalho provoca mortes e adoecimentos. Por isso, a JT pretende diagnosticar, identificar e buscar formas de enfrentamento. “O trabalho deixará de ser um mecanismo de degradação humana, exploração, violência e adoecimento. Ele deve se mostrar como um importante recurso para a humanidade, correspondente à melhora na saúde e à autorrealização humana”, afirmou.

De acordo com o desembargador do TRT-MG, Sebastião Geraldo de Oliveira, que também atua como gestor nacional do programa, o assunto violência acabou se tornando uma das grandes preocupações no mercado de trabalho. “O volume de demandas na justiça sobre assédio moral, sexual, metas abusivas, trabalho escravo, infantil ou situações equivalentes mostram que é necessário criar a cultura da não-violência”, alertou, destacando que a Justiça do Trabalho quer debater soluções com formadores de opinião, especialistas, psicólogos, médicos e psiquiatras.

Ato público e mesa redonda no TRT-MG abordam as violências no trabalho

Um ato público, realizado na sede do TRT-MG, em Belo Horizonte, no último dia 27 de julho, seguido de mesa redonda, marcaram o lançamento da Campanha Nacional do Programa Trabalho Seguro “Violências no Trabalho: enfrentamento e superação” em Minas, e o Dia Nacional da Prevenção de Acidentes do Trabalho. A ação foi promovida em parceria com o Comitê de Saúde do TRT/MG, o Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais (MPT-MG) e a Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro).

A gestora regional do Programa Trabalho Seguro, desembargadora Denise Alves Horta, expôs a satisfação em realizar os eventos com o objetivo de lançar a Campanha Nacional do Programa Trabalho Seguro instituída pelo TST e CSJT sobre o combate a violências no trabalho, o que também é proposta do Comitê de Saúde do TRT-MG, além da campanha de prevenção de acidentes e doenças desencadeadas pelo trabalho.  “Temos hoje um acidente de trabalho a cada 48 segundos e uma morte a cada três horas e meia. Necessitamos da colaboração de todas as instituições e da sociedade, cada um fazendo a sua parte, para mudarmos essa realidade”, frisou.

O evento incluiu uma mesa de debates sobre os temas: “Violências no Trabalho”, “Ética na Saúde e Segurança do Trabalho”, “A Discussão do Agrotóxico no Momento Atual” e “A Doença Mental e o Acidente do Trabalho”, tendo como expositores a médica e professora da UFMG Andréa Maria Silveira, a procuradora do trabalho Elaine Noronha Nassif, o chefe da Fundacentro-MG Érico da Gama Torres, e o secretário de saúde do TRT/MG Geraldo Mendes Diniz. Além dos expositores, participaram da mesa as gestoras regionais do Programa Trabalho Seguro, desembargadora Denise Alves Horta e juíza Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim.

Durante as exposições e debates sobre as muitas formas de violência no trabalho, dados impressionantes foram revelados pelos palestrantes, como o leitor poderá conferir nas linhas que se seguem:

São muitas as violências no trabalho

0___evento___Andrea_Maria_Silveira___280.jpgPrimeira palestrante da tarde, a médica e professora da UFMG Andréa Maria Silveira falou sobre “Violências no Trabalho”, o que, por definição, caracteriza-se como o comportamento vexatório de ameaça, insulto, agressão física ou verbal a pessoas no trabalho, chegando a comprometer a saúde do trabalhador. Os sintomas vão de depressão e insônia a traumas físicos e à diminuição do orgulho de trabalhar.

Segundo pontuou a professora, os profissionais que mais ficam expostos às situações de violência são policiais e outros que atuam em segurança, transporte, vendas a varejo e saúde. O maior risco é dos que lidam com pessoas (enfermeiros, agentes penitenciários) e dos que portam valores.

Falando sobre as formas de violências no trabalho, a palestrante identificou que tanto podem ser na forma verbal, moral ou psicológica (com ofensas, xingamentos, pressões) ou agressões físicas, passando pelo assédio sexual, além das opressões e segregações, como racismo e preconceitos de toda sorte.

A violência em números – De acordo com a palestrante, as estatísticas sobre a matéria são precárias, pois pouco notificadas, ou seja, a maior parte dos atingidos ainda escondem ou não denunciam as práticas de que são vítimas. Em uma pesquisa, 75,3% dos motoristas e cobradores de transporte coletivo entrevistados relataram ter sofrido alguma forma de violência durante a jornada de trabalho. Já entre os técnicos de enfermagem, 76,8% disseram ter passado por agressões por parte de pacientes e familiares, sendo 15,8% físicas e cerca de 40% abrangendo outras formas de violência.

Violência moral – Uma das formas de violência no trabalho, o assédio moral caracteriza-se pela exposição do trabalhador a situações vexatórias e humilhantes, em comportamentos repetitivos (não único), que podem ser praticados pelo chefe ou pelo grupo de trabalho. O que favorece o assédio, segundo a expositora, são comportamentos autoritários, desrespeitosos e preconceituosos, além de cobranças abusivas de metas. Caracterizam assédio, por exemplo: exclusão ou isolamento de trabalhadores, ameaças, abuso verbal, imposição de tarefas perigosas, rebaixamento, monitoramento excessivo, entre outros.

Efeitos sobre a saúde – Como resultado, a vítima passa a sofrer alterações psicossomáticas, como dores de cabeça ou de estômago, pressão alta e estresse, sendo comum, nesses casos, o aumento do uso de álcool ou drogas. Há também muitos relatos de suicídios.

Prevenção – De acordo com a professora, investir em prevenção é preciso, já que este ainda é o único remédio para o problema. Para tanto, aponta a melhoria das instalações de segurança (com circuitos de TV, alarmes, etc.), treinamentos, capacitação de vigilantes, implantação de políticas empresariais de convivência e de programas de controle da saúde moral dos empregados, além da criação e aplicação rigorosa de código de ética organizacional e campanhas de conscientização. Mas, uma vez praticados os atos desrespeitosos e de violência, é fundamental o combate às práticas abusivas com a penalização dos culpados (sobretudo, a dispensa de chefes que não atuam para prevenir ou reprimir a violência no trabalho) e a concessão de garantias às vítimas, como tratamento no pós-trauma. A palestrante sugere ainda a criação de uma instância de mediação de conflitos dentro da empresa para evitar o agravamento de situações incipientes, visando à restauração da harmonia interna.

Por fim, a professora destacou alguns fatores que favorecem as ocorrências, como desorganização do trabalho e a intolerância frente às diferenças. “A humilhação, ridicularização e intromissão na vida privada são alguns sintomas que permitem reconhecê-lo quando acontece. É importante dar visibilidade ao assunto para que façamos um movimento de empoderamento dos trabalhadores no sentido de denunciar e punir os assediadores”, arrematou.

Um problema moral e ético

Na sequência, a procuradora do MPT-MG, Elaine Noronha Nassif, falou sobre “Ética na Saúde e Segurança do Trabalho”, lembrando que as violências físicas repercutem na esfera moral e vice-versa, as violências morais também têm seus efeitos na esfera física.

Ao fazer severa crítica aos Programas de Prevenção e Redução de Acidentes (PPRAs) feitos de forma burocratizada, apenas para cumprir a lei, a procuradora lança no ar uma interrogação: como os profissionais de segurança do trabalho conseguirão atuar com base nesse material? Ela reitera que a prevenção de riscos de acidentes feitos nesses PPRAs não conseguem evitar certas situações de violência, como que um motorista seja agredido, por exemplo.

“Não há uma ética para a nossa era”, pontua, lembrando que, na antiguidade, vigorava a ética grega, socrática, fundada nos conceitos do bem comum e do bem-estar social. Esta foi sucedida pela “ética da santidade”, pautada por princípios religiosos, como “não faço ao outro o que não quero para mim”. Por fim, sobreveio a ética kantiana, a ética profunda, do indivíduo consigo mesmo, até ancorarmos na atual era da “pós-verdade” e das “fake news”. Ela alerta para a importância de um projeto ética para a Saúde e Segurança no Trabalho.

Nesse sentido, a procuradora acredita que o ISO 45001 poderá dar uma importante contribuição para melhorar os níveis de saúde e segurança no trabalho. Caberá à empresa buscar a certificação e com ela irá provar se cumpre ou não a legislação em SST. A procuradora sugere o uso estratégico de certificações internacionais: “A ideia é buscar normas internacionais que obriguem também as empresas multinacionais a agirem com ética quanto à saúde e segurança no trabalho, regulando a concorrência”.

Por fim, citou a existência de um projeto piloto de verificação de peritagem judicial, já que os atuais instrumentos, segundo ponderou, não estão coibindo os riscos, mas, ao contrário, são eles próprios, instrumentos de violência. Para tanto, conta com a preciosa colaboração de institutos como o CREA e a OAB para controle e responsabilização profissional. “Com isso, a evolução e transformação na área da Saúde de Segurança no Trabalho virão”, aposta a palestrante.

Agrotóxicos: violência contra a saúde

A mesa redonda abordou ainda a questão dos agrotóxicos, cuja afinidade com o tema das violências no trabalho é pouco percebida, mas, de fato, constitui uma constante e intensa agressão ao bem mais precioso de todos nós: a saúde. E quem falou, com muita propriedade, sobre o assunto foi o engenheiro civil e chefe da Fundacentro-MG, Érico da Gama Torres, que também é membro da comissão de gerenciamento de risco do IBGE e coordenador do fórum mineiro de combate ao agrotóxico.

Nas palavras do engenheiro, essas sustâncias químicas, usadas para combater pragas e aumentar a produtividade, representam uma ameaça que trespassa os sistemas econômico e político. Ele afirmou que os agrotóxicos contaminam o solo e a água, inclusive as reservas subterrâneas, e apontou que 25 mil casos de intoxicação foram registrados pelo Ministério da Saúde, no período de 2007 a 2014. Já em 2017 foram registrados 15 casos por dia. No mínimo, já que a maioria não é registrada, segundo pontuou. “Mais de 150 pessoas morreram em 2017 por envenenamento”, revelou o expositor.

0___evento___Erico_da_Gama_Torres___265.jpgAo falar dos sintomas advindos da exposição aos agrotóxicos, o palestrante enfatizou as dificuldades em valorar impactos no seu uso. Quanto às formas de intoxicação, explicou que esta pode ser crônica – quando ocorre exposição em pequenas quantidades, mas por longo tempo – causando várias doenças, como perdas cognitivas, depressão, câncer, alergias, afetações hepáticas e imunológicas etc. Ele citou o caso de Passo Fundo, cidade gaúcha em que, por conta do uso indiscriminado de agrotóxicos, a anencefalia atinge índices cinco vezes maiores que o aceitável pela ANS: um caso a cada 20 mil, quando o índice máximo seria de um caso a cada 100 mil nascimentos. Há também as intoxicações agudas, caracterizadas pela alta concentração de venenos em curto tempo. E aí, os sintomas são cefaleia, náusea, vômito, convulsões, podendo chegar ao coma e à morte. Quem paga o pato de tudo isso é a sociedade que, de acordo com o expositor, além de perder a sua saúde, têm de recorrer ao SUS, impactando substancialmente os custos da saúde pública.

O engenheiro explicou que, no Brasil, o governo acaba por estimular o uso de agrotóxicos, por meio de incentivos fiscais e concessão de financiamentos a quem faz uso dos defensivos. E mais: revelou que cinco dos dez pesticidas mais vendidos no Brasil são proibidos em outros países.

Ele falou ainda sobre a lei dos agrotóxicos – Lei 7.802, de 11 de julho de 1989 – que proíbe produtos cancerígenos, e traçou um panorama das disputas políticas para alterá-la. A Anvisa, o Ibama, o MPF, o MPT e a Fiocruz são contra a proposta de alteração. “Se o Brasil aprovar a alteração na lei, vai descumprir sete convenções internacionais. O Projeto de Lei 6.299 de 2002, que flexibiliza as regras para aplicação e fiscalização de agrotóxicos, é conhecido como pacote do veneno e já existe um abaixo-assinado contra ele com mais de 1,5 milhão de assinaturas”, relatou.

Érico da Gama entende que a agroecologia e a ampliação da disponibilidade de produtos de origem biológica são a melhor alternativa ao uso do agrotóxico, conforme outro PL 6.670, de 2016, que institui Política Nacional de Redução de Agrotóxicos.

Ao comentar a fala do palestrante, a desembargadora Denise Alves Horta pontuou que esse tema dos agrotóxicos está intrinsecamente ligado ao problema da ética em SST abordado pela Dra. Elaine Nassif. Segundo a desembargadora, a vida humana e a saúde das pessoas passam a não mais importar frente ao ganho econômico, ao lucro. “Precisamos mudar esse padrão ético”, conclamou.

Doença mental é acidente de trabalho?

Fechando o evento, o médico psiquiatra e secretário de Saúde do TRT-MG, Dr. Geraldo Mendes, abordou a saúde mental e sua relação com os acidentes de trabalho.

De início, o expositor usou o conceito de acidente de trabalho para dele extrair duas interessantes conclusões. Se0___evento___Geraldo_Mendes_Diniz___260.jpg acidente de trabalho conceitua-se como “doença física ou mental, causada mediata ou imediatamente pelo trabalho”, temos que: 1) doença mental também pode ser acidente de trabalho; e 2) esta pode se dar de forma imediata ou ao longo do tempo.

Essa conclusão, segundo explicou, ajuda na difícil tarefa de caracterizar os inúmeros casos de adoecimentos funcionais de ordem psíquica como acidentes de trabalho, o que eleva o tratamento da questão a outro patamar, tirando o estigma e preconceito que o rondam.

Mas, o mais importante de tudo é: como prevenir esse tipo de doença, que é a maior causa de afastamentos no Tribunal mineiro? Dr. Geraldo dá algumas sugestões:

– O servidor precisa ouvir e ser ouvido;

– A organização adequada do espaço físico é fundamental;

– É preciso que cada um tenha em mente para que serve o seu trabalho;

– Colocar as pessoas certas para cada processo de trabalho;

– Dar feedback positivo, estimulando e gerando satisfação com o trabalho.

“As licenças médicas por saúde mental são longas e trazem grande sofrimento para os doentes. A desorganização no ambiente de trabalho adoece as pessoas. O chefe tem que saber escutar, dar um espaço de trabalho adequado e saber como e quando dar feedbacks positivo e negativo. Caso contrário, incidências de uso de álcool, drogas ou de violência continuarão aumentando entre nós”, concluiu o médico do TRT de Minas.

O combate à violência nos julgados do TRT-MG

Além das inúmeras matérias tratando de temas relacionados à violência no trabalho, listadas neste link, as quais podem ser acessadas no portal do TRT de Minas, veremos nesta NJ Especial alguns casos recentes julgados pela JT mineira. Em todos eles, o leitor poderá perceber que a atuação da Justiça do Trabalho tem sido fundamental no combate a essas práticas e em prol da promoção de ambientes de trabalho seguros e com respeito à dignidade e aos direitos humanos do trabalhador.

Tratamento pejorativo afetando a cidadania

O local de trabalho é onde se exercem os atos de cidadania. Assim, podemos chamar à responsabilidade o governo, as sociedades empresariais e as profissionais para fazerem do ambiente de trabalho um ambiente para o exercício da cidadania. As ponderações são do Procurador do Trabalho Luiz Eduardo Guimarães Bojart, em palestra, palavras essas citadas pela desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini ao julgar recurso envolvendo o tema do assédio moral na 11ª Turma do TRT de Minas. Em outro trecho da palestra, o procurador destaca que, quando o trabalhador é tratado com dignidade no local de trabalho, vai também tratar com dignidade o seu filho e o seu semelhante. Vai exigir dignidade de quem não o trata com dignidade. Por outro lado, se ele é tratado com desprezo, opressão ou assédio moral, justamente onde ele deveria exercer a cidadania, então, não vai desenvolver plenamente essa cidadania, formando-se um círculo vicioso.

No caso examinado pela desembargadora, a prova testemunhal revelou que o superior hierárquico expunha o empregado de forma pejorativa e reiterada nas reuniões realizadas na empresa, uma fábrica de peças para veículos, quando não alcançadas as metas de produção. O chefe dizia que o funcionário fazia corpo mole e mencionava com frequência o seu nome, citando-o como exemplo negativo de alcance de metas. Na decisão, a relatora chamou a atenção para importância do trabalho na estruturação da autoestima da pessoa. Segundo a Organização Mundial da Saúde, desde 1946, tornou-se consenso mundial que a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. Em 2002, o relatório da OMS no mundo revelou que “a depressão pressagia a ocorrência de perturbação cardíaca, dos sistemas fisiológicos, bem como o funcionamento neuroendócrino e imunitário” (Saúde mental: nova concepção, nova esperança, 2002). Acerca da saúde no ambiente de trabalho, chegou-se à conclusão de que no mundo em 2020 a depressão será a maior causa de incapacitação.

Como apontado na decisão, esses dados revelam a centralidade do trabalho, tanto como causa de adoecimento físico e mental, quanto como fator de desenvolvimento da personalidade, autoestima e potencialidades das pessoas. Dessa forma, cabe ao empregador cuidar da saúde física, social e mental dos seus trabalhadores, evitando que o assédio moral ocorra no âmbito da empresa. O meio ambiente equilibrado está intimamente ligado à saúde e à segurança do trabalhador, devendo as medidas de prevenção e proteção contra infortúnios e doenças no trabalho assumir prioridade no quadro de ações da empresa, a fim de cumprir sua função social e a de sua propriedade (artigo 5, XXII e XXIII, artigo 170, II e III).

Foi pontuado que o assédio moral no ambiente de trabalho pode ser definido como a repetição sistemática e frequente de condutas abusivas praticadas pelo empregador ou por colega de trabalho, agredindo psicologicamente e provocando constrangimentos e humilhações ao empregado. Uma das primeiras estudiosas a se preocupar com o estudo do assédio moral no trabalho é a francesa Marie-France Hirigoyen. Segundo ela, trata-se conduta abusiva, configurada por meio de gestos, palavras, comportamentos inadequados e atitudes que fogem do que é aceito pela sociedade. A prática abusiva, em razão de sua repetição ou sistematização, atenta contra a personalidade, dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o ambiente de seu trabalho.

Ao caso foi aplicada a responsabilidade objetiva da empresa de zelar pelo meio ambiente de trabalho, nos termos do artigo 225 combinado com o artigo 200, VIII, da CRFB/88 e item 17 da Convenção 155 da OIT. A relatora ressaltou que o assédio moral praticado contamina e degrada o meio ambiente laboral como um todo, podendo, inclusive, configurar assédio moral ambiental ou organizacional, com repercussão social. O direito ao meio ambiente adequado é um direito humano e como tal encontra proteção expressa no direito internacional por meio da DUDH (art. XXV), PIDESC (art. 7º, “b” e 12) e nas Convenções 148, 155, 161, 167 e 187 da OIT.

Nesse cenário, reconheceu a violação aos artigos 1.º, incisos III e IV, e 5.º, inciso X, da CR/88, configurando-se a responsabilidade civil da empregadora pelo dano moral infligido ao empregado, na forma dos artigos 187 e 927 do Código Civil.  Acompanhando o voto, a Turma de julgadores deu provimento ao recurso para condenar a empresa ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 3 mil, conforme critérios explicitados na decisão, inclusive para inibir novas condutas semelhantes por parte da empresa acerca do ambiente de trabalho de seus funcionários.

“A função primordial da Justiça do Trabalho é tutelar os direitos sociais decorrentes do trabalho humano, que é a fonte generatriz da riqueza da sociedade, por isso mesmo não há temer o risco da banalização das ações de dano moral nesta Justiça Especial, porquanto mais grave é banalizar o próprio dano moral, já perversamente naturalizado na organização produtiva, que acaba reduzindo o ser humano que produz a mero fator coisificado da produção”, arrematou a desembargadora.

PROC. nº 0010491-14.2015.5.03.0008 (RO) – Data: 05/06/2018

Rispidez, xingamentos e brincadeiras sobre orientação sexual.

O técnico mecânico trabalhava para a Ferrovia Centro Atlântica (FCA) há mais de 10 anos quando ocorreu a suspensão do contrato por motivo de saúde. Uma testemunha que trabalhou com ele disse que o supervisor o tratava diferente. Ele era cobrado de forma mais ríspida. Também havia questões e brincadeiras relativas à homossexualidade, feitas por quase todos no trabalho. Também foi relatada a situação de xingamentos em reuniões, apontando que o tom com o colega era diferente. O supervisor dizia que deveria fazer direito e melhor o trabalho. Também já o viu sendo chamado de “burro” na frente de todos nas reuniões e, ainda, alvo de chacotas sobre se tinha namorada ou namorado.

Para a 2ª Turma do TRT de Minas, o tratamento dispensado ao empregado foi absolutamente inadequado, justificando a condenação por danos morais em R$25 mil. Atuando como relatora, a desembargadora Maristela Iris da Silva Malheiros, repudiou a conduta preconceituosa em razão da orientação sexual, além do tratamento com rispidez e imputação de adjetivos pejorativos.

O trabalhador apresentou diagnóstico de ansiedade, transtorno do pânico e síndrome de burnout durante contrato de trabalho. Tudo relacionado a conflitos na relação de trabalho com superiores hierárquicos. Houve evolução de um quadro psíquico de incapacitação prolongada. O perito que atuou no caso sugeriu o retorno o quanto antes ao trabalho de costume, mas com o acolhimento devido pela empresa, com respeito às potencialidades e dignidade do empregado.

Respeito: esforço conjunto – Na decisão, a relatora observou que o trabalhador passa grande parte do dia em seu local de trabalho, onde deixa sua força de trabalho para obter a subsistência de sua família. Por isso, o ambiente de trabalho deve ser considerado local sagrado, onde devem imperar a harmonia e o respeito mútuo. Para tanto, esse ambiente deve ser construído e burilado, a cada dia, por todos os que ali trabalham, independentemente do cargo ocupado, até para tornar menos árdua a jornada de cada um. Nessa construção e reconstrução diária deste ambiente, o que se espera dos chefes, encarregados e superiores, de um modo geral, é, no mínimo, o tratamento respeitoso para com seus subalternos. Afinal, na maioria das vezes, quem dá o tom ao ambiente de trabalho são justamente os superiores hierárquicos, que, por sua experiência, respeitabilidade e maior capacidade de liderança, reúnem mais habilidades para harmonizar as condições de trabalho. De acordo com a magistrada, conduta contrária só traz prejuízos à empresa e a seus empregados e demais colaboradores, pois cria no local de trabalho um clima adverso gerador de insatisfação, hostilidade, animosidade e doenças mentais, em prejuízo para o capital e o trabalho.

No caso, o trabalhador necessitou de afastamentos por vários meses, pois não conseguia exercer suas atividades devido ao quadro de pânico, ansiedade, nervosismo, sudorese. A submissão a um ambiente de trabalho hostil e propício ao desencadeamento de doenças mentais ficou plenamente provado.

A decisão identificou a culpa da empresa, que foi negligente ao permitir que seus prepostos agissem de forma inadequada em relação ao trabalhador. Não observou o disposto o no artigo 7º, XXII, da Constituição da República, o qual prevê a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Também considerou a infração aos incisos I e II do art. 157 da CLT, segundo os quais compete ao empregador cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho.

Considerando a gravidade do caso e os danos ocasionados em pleno ápice da capacidade de trabalho do empregado, que possuía 32 anos de idade quando foi realizada a perícia, considerou o valor fixado na sentença razoável, por atenção aos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade. Assim, negou provimento aos recursos das partes.

Proc. 0012616-39.2016.5.03.0098 (RO) Data – 27/03/2018

Tipo físico e acusação de furto

Ela atuava na limpeza de uma indústria de alimentos. Por meio de testemunha, provou que funcionários da equipe caçoavam dela, chamando-a de magrela. A testemunha contou que os empregados diziam que a colega tinha problema de saúde, sendo frequentes as chacotas. Segundo o relato, a trabalhadora chegou a se queixar com o supervisor, mas não se lembra de ter tomado alguma atitude para acabar com as gozações. Contou que a trabalhadora se abalava em razão das ofensas. Já a viu chorando algumas vezes. Ademais, foi acusada pelos colegas de equipe e também por seu supervisor de ter furtado pacotes de bolacha de um container. Por essa razão, foi transferida. O supervisor disse para a testemunha que havia transferido a colega a outra tomadora em razão do furto do pacote de bolacha.

Para o desembargador Mílton Vasques Thibau de Almeida, ficou provado que a trabalhadora não só recebeu tratamento ofensivo no local de trabalho, sendo vítima frequente de brincadeiras de mau gosto referentes a seu tipo físico, como foi injustamente acusada de furto, sem que a empresa tenha comprovado a conduta ilícita praticada pela empregada.

“A depreciação do valor do ser humano deve ser repudiada também no local de trabalho, onde a dependência econômica coloca o empregado em uma posição frágil perante o seu empregador, o qual deve respeitar aquele que busca de forma digna o seu sustento através do trabalho”, registrou, citando trecho da sentença.

A indenização por dano moral, fixada em R$4 mil em 1º Grau, foi mantida, diante das circunstâncias envolvendo o caso concreto. Os julgadores acompanharam o voto para negar provimento aos recursos.

PJe: 0010057-29.2017.5.03.0178 (RO) – Data 13/06/2018

Bom exemplo: empresa pune com justa causa violência contra a mulher no local de trabalho

No caso analisado pela 2a Turma do TRT de Minas, o que chama atenção é o fato de a empresa do ramo de alimentos, além de agir preventivamente, ter reagido de imediato, punindo o desrespeito e violência contra a mulher, praticados no ambiente de trabalho. Nesse sentido, a testemunha apresentada por um trabalhador que ajuizou reclamação trabalhista disse que os superiores hierárquicos sempre aconselhavam os empregados a não fazerem brincadeiras de mau gosto ou usarem de vocabulário “pesado” com os colegas de trabalho. Outra testemunha, também indicada pelo trabalhador, revelou já ter presenciado o antigo supervisor aconselhando-o a não brigar nas dependências da empresa e resolver seus problemas com calma, fora da empresa.

O empregado se insurgiu contra a justa causa aplicada pela empregadora depois que agrediu sua esposa, colega de trabalho, com dois socos no rosto, após discussão a respeito de possíveis traições. Ele também agrediu outro colega de trabalho. Na reclamação, argumentou ter sido um bom empregado, com mais de oito anos de prestação de serviços à empresa. Sustentou que a agressão à esposa foi motivada por forte emoção, raiva e sentimento de humilhação, quando veio à tona a certeza de que estava sendo traído deliberadamente com outros colegas de trabalho. Alegou ainda que outros empregados envolvidos nas agressões receberam apenas advertência e suspensão, o que demonstraria que a empresa agiu com rigor excessivo apenas em relação a ele, ferindo os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Mas o relator do recurso, desembargador Lucas Vanucci Lins, não lhe deu razão. “Eventual desavença entre o casal deveria ser resolvida de outra maneira, não sendo o local de trabalho o lugar para resoluções de quaisquer conflitos, especialmente os conjugais. A ofensa física a uma companheira de trabalho constitui falta grave o suficiente para a rescisão do contrato de trabalho por culpa do empregado, independentemente do histórico anterior do recorrente. Esse comportamento é incompatível com o ambiente de trabalho e não pode ser tolerado, sob pena de se criar uma ambiente favorável ao desmando, sendo dever do empregador manter o ambiente de trabalho equilibrado e saudável, não admitindo ações violentas e agressivas por seus empregados”, destacou no voto, entendendo que pouco importam as circunstâncias em que ocorreu o fato, bastando o cometimento do ato violento, consistente na agressão física, para a configuração da justa causa. A exceção é a legítima defesa, o que não é o caso.

Não havendo prova da prática de qualquer ato ilícito, foi rejeitada a possibilidade de condenação da empresa por danos morais, sendo o recurso do trabalhador julgado improcedente.

Proc. 0010168-16.2018.5.03.0101 (RO) Data – 29/05/2018

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Vídeo campanha contra violência no trabalho

ONU elaborará tratado internacional contra assédio no trabalho

Pesquisa mostra que mais da metade dos médicos e enfermeiros de SP sofreu agressão no trabalho

Perfil no Instagram denuncia assédio moral na indústria da moda

Sentenças de assédio moral devem dar recado social, diz juíza do trabalho.

Documentário “A dor (in)visível – Assédio Moral no Trabalho” – Realização do Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) – Procuradoria do Trabalho no Município (PTM) de Caxias do Sul; do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) – Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) em Caxias do Sul; e do Governo Federal.

TST: Professor afirma que o assédio moral é resultado de uma cultura empresarial perversa.

https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/nj-especial-violencias-no-trabalho-uma-chaga-a-enfrentar-e-superar

 

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